Ti’Maria Alice
Foi assim que sempre tratei a minha sogra que amava como se fosse minha mãe!
Trinta e três anos foram os anos em que tive o privilégio de conviver e
aprender com a Ti’Maria Alice… Sim, porque apesar de ter aprendido nas berças
do meu pai no Carregal de Aquilino Ribeiro a arte de trabalhar a terra, foi com
a Ti’Maria Alice em Cidadelhe que eu reforcei a minha aprendizagem e comecei a
olhar para as coisas da terra e da lavoura com outros olhos e os olhos da
Ti’Maria Alice… Foram os olhos da Ti’Maria Alice que no início de outubro do
último ano deram o 1º sinal de que algo não estava bem com ela em termos de
saúde.
Ao levar a Roleta e a Andorinha para o pasto no Carrascal, ficou sem ver nada
de um dos seus olhos e do outro pouco ficou a ver. Mais ou menos uma semana
depois acabou por ser operada às cataratas de um dos olhos. Tudo estava a
correr bem na sua recuperação em Coimbra, até ao dia em que no último fim de
semana de outubro regressou a Cidadelhe e o famigerado tumor cerebral que
afinal tinha, acabou por despertar e durante os últimos seis meses a massacrou
e debilitou impiedosamente… Guerra é um dos seus apelidos de nome, foi uma
guerreira na luta contra as mazelas e problemas de saúde que foi tendo ao longo
da sua vida, mas nesta altura da sua longa vida de 87 anos acabou por já não
ter forças e não dar luta ao problema grave de saúde que lhe bateu à porta…
Durante 50 anos foi “colocada” à prova e ganhou o céu na Terra pela Fátima que
Deus lhe deu! Ser mãe de uma menina deficiente foi a sua maior tarefa na Terra,
que ela amava mais do que tudo e vice-versa. Foram muitos os quadros de amor
puro, verdadeiro e maior que eu tive o privilégio de presenciar e registar para
a vida… A Ti’Maria Alice partiu, mas descansada porque sabe que a sua Fatinha
fica em boas mãos, junto das irmãs que a têm como se sua filha fosse… A sua
outra preocupação era o Ti’Manel, não tivesse sido ele o seu único amor de uma
vida longa de matrimónio, o qual cuidou como sua mulher e cuidadora informal
nos últimos anos e desde que o Ti’Manel começou a ter problemas de saúde nos 90
anos que já conta. Também ele fica em boas mãos, amor e cuidados não lhe vão
faltar.
Nas últimas semanas esteve internada mais uma vez nos
Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), praticamente não abriu os olhos,
numa das visitas com esforço ainda lhe consegui ver uma nesga num dos olhos que
tentou abrir, já não senti o aperto da sua mão e falar foi coisa que deixou de
fazer, exceto na última segunda feira, faz amanhã 8 dias, que depois de lhe
apertar a mão e dizer-lhe que estava ali com ela, apercebi-me que estava a
balbuciar umas palavras, encostei a minha cabeça à sua e ouvi a Ti’Maria Alice
a rezar uma Avé Maria… Foi a última vez que a ouvi falar e será uma das muitas,
mas mesmo muitas recordações boas que vou guardar e ter da nossa Ti’Maria
Alice.
As minhas desculpas pelo texto longo, mas eu teria muito
mais para dizer sobre a nossa Ti’Maria Alice… Eu sei que falo muito como a
minha querida e saudosa mãe Filomena e tenho na escrita mais ou menos formal
uma das formas de partilhar e por vezes desabafar o que me vai na alma, na
cabeça e no coração que hoje está destroçado com a morte da Ti’Maria Alice que
vai a sepultar no dia de Páscoa, dia de festa no céu, na Terra e de “Aleluia,
Aleluia, Jesus Cristo Ressuscitou” e chamou para junto de si a Ti’Maria Alice.
Em nome da família, o nosso bem-haja pela vossa presença
neste último adeus à nossa Ti’Maria Alice e pelas inúmeras mensagens de
condolências que nos foram dirigidas.
Cidadelhe, 09 de abril de 2023
Arménio Correia